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semasas

mas no processo de crescimento perdêmo-las.

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28.07.08

Monstros - Parte I


Sem Asas

Os aldeões tinham medo. Os que enfrentavam esse medo, não regressavam. E de tempos em tempos, ouvindo o grito medonho do monstro, escondiam-se dentro de suas casas até ao nascer-do-sol. Porque dizia-se que esse monstro, mais alto que a mais alta das arvores, mais forte que qualquer touro, de tão feio que só podia ser filho do diabo, tinha medo apenas de uma coisa: do sol.
Isto chegou aos ouvidos do rei. E este, que era um rei justo e bom, enviou os heróis do pais para combater tal mostrengo. Ora, este heróis, tinham algo de particular. Um deles era uma mulher. E dizia-se que a mulher era a mais feroz dos três, a mais aventureira, e mais corajosa. Os aldeões estavam curiosos de vê-los, e de tão seguros começaram a preparar uma festa para comemorar a morte do monstro.
Os três puseram-se a caminho da aldeia, situada quase na fronteira com outro pais. Esse pais fora visitado por eles varias vezes, mas isso é outra aventura que não é para aqui chamada agora. Por isso sentiam-se seguros na estrada percorrida, como nós no nosso proprio quintal. Mas tiveram uma surpresa. Antes de chegar, encontraram uma velha à beira da estrada. Isso nada tem de particular, quanta gente se pode encontrar numa estrada! Mas esta velha estava à espera deles. E num tom de aviso disse:
- Não entrem nessa aldeia. Do outro lado, espera-vos a vossa morte...

Ora os nossos heróis estavam confiantes. Já tinham combatido diversos inimigos, monstros ou não monstros, e não estavam assustados. Mas, acaso ou destino, chegaram à aldeia à hora do pôr-do-sol. E escutando pela primeira vez os uivos do monstro, os nossos dois amigos foram tomados de um pavor que nunca tinham sentido, que não conseguiam controlar. Mas a temerosa Ariana (o nome da nossa heroína) não sentiu medo algum. Ela estava pronta. Eles não. E ela tomou a decisão fatal de ir sozinha à cova do monstro. Eles ficaram para trás, sentados na estalagem amargurados que uma mulher fosse mais brava que eles (isto já tinha acontecido varias vezes). Mas mesmo assim não foram...

Sozinha no limite da aldeia no inicio da estrada agora pouco utilizada que conduzia à montanha (onde o monstro se escondia, não vos tinha dito?), Ariana sentia todos os olhos pousados em si. Sabendo que tinha que dizer algumas palavras, pois é também esse o dever de um herói, e sentindo o nervoso miudinho que aparecia sempre que estava à beira de uma aventura bem especial, ela pronunciou estas palavras:

- Voltarei. E voltarei com a cabeça do monstro, ou com o que estiver mais a jeito de cortar!! (risinhos nervosos por parte da audiência, daqueles que tinham compreendido o significado)

(Perceberam bem, são as palavras que estão gravadas no memorial erigido em sua memoria. E esse memorial esta colocado no limite da aldeia, no inicio dessa mesma estrada que ela tomou, nesse dia fatal, ao pôr-do-sol.)
 

14.07.08

Vidas Simples


Sem Asas

Mais uma vez, tinha que explicar tudo. Uma e outra vez, a cada nova pessoa tinha que começar tudo do princípio. E sempre as mesmas perguntas.
- Então, se eu quiser voltar para trás, o que acontece?
- Não é possível. Mesmo que queiras, não te vais lembrar de nada. A partir do momento de entrada, a memória do que se passou antes irá desvanecer.
- Mas eu SEI. Como posso esquecer-me?
- Aqui estas sob a influência Dele. Lá, é diferente...
- Posso escolher o casal que quiser?
- Cada casal tem o dossier. Mas tens que decidir no tempo que te é dado. Eu serei o teu guia.
Num ecrã enorme, aparecem imagens de diferentes casais, em diferentes partes do mundo.
- E se for este casal, por exemplo?
Com toque no ecrã, Gabriel faz aparecer o dossier.
- É uma boa escolha. Serás o único filho do casal, eles irão cuidar bem de ti. Irão projectar-se em ti, querendo que sejas como eles teriam sido. Necessitarás de força de vontade para sair desse ciclo.
- Ui, esquece... demasiado complicado. Esta mulher é linda. Posso herdar a beleza dela?
- Boa escolha. Ela faz parte da realeza europeia. Cedo terás que aprender a gerir as tuas escolhas, as tuas palavras, as tuas acções que serão olhadas e comentadas pelo povo. É a tua escolha?
- Não, esquece, que horror! Como pode alguém querer isso?
Com um sorriso discreto, Gabriel faz deslizar a imagem pelo ecrã até esta desaparecer do lado esquerdo.
- Este casal. Qual é o problema deles?
- Nenhum. Com bons princípios, irão conhecer a religião mais tarde e a tua educação será nela baseada. Serás ordenado padre aos 20 anos. Eu diria mesmo que é uma boa escolha.
- Esquece. Nem comento. Gosto deste casal aqui... hei, porque desapareceu a imagem?
- Tens o tempo que te é dado. Quando eles desaparecem, já não tens a oportunidade de ser filho deles. Há um certo timing...
A pessoa percebe do que ele fala. Tem que se escolher enquanto eles estão a fazer amor...
- Ok, estes então.
- Casal jovem, irão divorciar-se quando ainda fores uma criança. Mas isso dar-te-á a força para venceres na vida, se souberes dar a volta. Com eles, terás também de aprender. É uma boa escolha.
- Não existem vidas simples...
- Aqui, todas as escolhas são boas. Cada vida tem em si inúmeras possibilidades, como uma semente se pode tornar numa árvore ou apodrecer no chão. Na vida, terás opções que se apresentarão. A beleza disto tudo está nas escolhas que irás fazer que conduzirão ao caminho que é suposto seguires. Não há vidas simples. Há escolhas que são feitas.
- Quero o casal jovem. Se qualquer escolha é boa, que seja esta. E que eu saiba caminhar na direcção certa!

Ao longe, ouve-se o grito de um recém-nascido. Para quem sabe ouvir, quer dizer "Cheguei, aqui estou."

Com um sorriso discreto, Gabriel volta-se para acolher a nova pessoa.
- Bem-vindo. Eu serei o teu guia para escolheres a tua nova vida...

07.07.08

Casa


Sem Asas

Numa aldeia perto do rio Tejo, uma casa é construída. Com as areias retiradas da praia fluvial, é batida como todas as casas da região, toda branca por fora com uma barra azul e um jardim. As fachadas das casas estão alinhadas, enquanto todos os jardins se encontram nas traseiras, separados por muros também eles brancos. E a partir do momento em que a ultima janela foi posta, a ultima camada de tinta foi dada, a casa ganha consciência, é a Casa. E surgem os ocupantes. Estes chegam a medo, experimentado as paredes, o lugar. A Casa, contente por estar ocupada, dá-lhes um abraço (da maneira só as casas conseguem fazer) e deseja as boas-vindas. E os ocupantes começam a sentir-se à vontade, mobilam as divisões, penduram quadros nas paredes, dão à casa um cheiro. E a Casa tem agora um cheiro.

Passam-se anos. A Casa, atenta às aventuras e dissabores da família, poderia tudo contar (até segredos que mais ninguém conhece), se tivesse a possibilidade de falar. Vê as crianças a nascer, a crescer, a partir para ir ocupar uma outra casa. Vê os pais, antes na flor da idade, com cãs. E por causa de mortes, ou desavenças familiares, ou preferências, ou casamentos que acontecem, os seus ocupantes vão mudando eles também, recriando sempre o mesmo processo de se acostumar à casa e a casa a eles. E a Casa cresce com eles, aprende, torna-se melhor. E é uma casa que sabe bem visitar, aliás entra-se pela porta da frente dizendo apenas "Bom-dia vizinha!" E são tempos felizes, a Casa mostra-se em toda a sua beleza, branca com uma barra azul. E pode ouvir os passeantes dizer "esta é uma casa excelente... quem me dera!"

E a Casa, que viu tantas famílias, agora é habitada por um casal idoso, que jà educou as duas filhas e recebe de vez em quando a sua visita. Quando estas acontecem, também a casa pode ver: as filhas têm agora filhos. E os avós, observam com orgulho os netos que crescem e gostam de visitar a Casa, porque tem um cheiro que os acolhe de cada vez, e a avó tem sempre uma sobremesa preparada.

E a Casa, que viu tantas mortes, vê agora mais uma. E esta, dá-lhe um calafrio na espinha (se as casas se podem permitir esse tipo de coisas). E vê a viúva vaguear pela casa, sem saber como acostumar-se ao vazio súbito. E vê a viúva decidir partir para um Lar. E vê que ninguém a quer ocupar.

E cada semana que passa, a Casa encolhe-se cada vez um pouco mais. Ouve os passeantes dizer "é pena...", e suspira num suspiro profundo que só as casas sabem fazer. Mas todas as semanas há uma filha que a vem ver. Todas as semanas, entra na Casa, deixa-a arejar, dá-lhe um alento de vida.

Porque a Casa ainda pode voltar a ter vida e ser feliz.

 

04.07.08

Medo?


Sem Asas

Ha uns posts atras, falava da Disney (ver aqui) e do meu trabalho aqui. Depois de muitos "faço, não faço", "não sei, não tenho a certeza", "o que hei-de fazer?", decidi-me e apresentei a demissão. é oficial, dia 3 de Agosto de 2008 é a ultima noite que trabalho na Disney. 409 dias, no total (se não me enganei nas contas).

 

Quando entreguei a carta de demissão, fiquei com um certo no na garganta. Porque foram de facto muitos dias, muito esforço, cerrar de dentes e muitas lagrimas choradas e também - ha que dizê-lo - muitas alegrias. E parto, na incerteza do que vou fazer a seguir. Não tenho trabalho seguro, tenho a ideia que quero estudar, mas não fui ainda aceite pela universidade, não sei onde vou viver. Por todas essas razões, tive medo.

 

Mas depois de uma "soirée" que aconteceu ser ontem (a Festa Anual de todos os empregados Disney), em que dancei até não aguentar com os joelhos, até sentir todo o meu corpo cansado, em que encontrei (quase) todas as pessoas aqui da Disney que significam algo para mim, e depois tive o merecido descanso, percebi.

 

O que sinto não é medo. é a sensação que uma nova aventura se avizinha, aquele frio na barriga de montanha russa. Misturado, obviamente, com uma certa melancolia. Não sei nada do que se vai passar a partir do dia 3 de Agosto. Tomarei as decisões quando as questões se apresentarem, e não vou stressar com antecedência.

 

Uma vez mais, aperto as correias da mochila e contemplo a estrada que se estende a meus pés. O sol brilha e um vento agradavel brinca com o meu cabelo. Não sei onde a estrada me leva, mas estou pronta.