28.06.06
A viagem
Sem Asas
Ela sentou-se num banco, desajeitadamente.
Estava parva com o que acabara de ouvir... o seu "Romeu" como lhe passara a chamar na brincadeira com as amigas, aquele que lhe aquecera sempre a alma com doces palavras de amor, cantadas à sombra da sua janela escondido pela escuridão, o admirador secreto que lhe jurara paixão eterna era, afinal, o seu melhor amigo.
Ironia do destino... Olhava a paisagem que passava veloz do lado de fora da janela, sem realmente pensar nela. Passava em revista milhares de gestos, palavras por dizer, olhares interpretados erradamente. Claro!, tudo fazia lógica agora, como um puzzle começado há muitos anos atrás e só agora completado. E como peça final desse puzzle, ela percebeu: também o amava. A súbita compreensão deste sentimento fê-la debruçar-se mais sobre ele, analisando-o, perscutando-o. O sentimento era diferente das paixonetas anteriores. Era calmo e sereno, acrescentava uma nova dimensão à sua vida, tornava-a uma pessoa melhor pelo simples reconhecimento desse facto: amava-o.
Baixinho disse a si mesma: "Amo-te". Fê-la sorrir. Repetiu uma vez mais "Amo-te... amo-te!" Outro sorriso espontâneo apareceu nos seus lábios, iluminando-lhe o rosto.
Respirou fundo... o facto de saber isso alterava muita coisa. Alterava a própria razão de se estar a afastar dele e da cidade que adorava por causa de um estúpido emprego que talvez não conseguisse! Porque raio estava ela a fazer isso? O que fazer? Voltar atrás? Ir ter com ele e dizer "olha, afinal também te amo, surpresa"? Esquecer a palavra dada ao talvez futuro empregador? Fechou os olhos com a própria estupidez.
Chegou finalmente. Foi até casa, pousou todos os sacos (felizmente que os pais não estavam em casa para perguntas incómodas) e decidiu que o melhor seria ir dar um passeio para aclarar as ideias. Desceu até à zona de Belém onde sempre adorara passar tardes inteiras e foi até ao rio. Sentou-se nuns dos banquinhos que lá havia e mais uma vez fechou os olhos. "O que vou fazer?" pensou mais uma vez. "Como lhe vou dizer?"
Levantando-se, percorreu o caminho tantas vezes feito na companhia dele, nas alturas de maiores confidências. Tantas horas que ali passara em conversas intermináveis em que as palavras brotavam facilmente... e agora que precisava de inspiração, simplesmente não apareciam. Erguendo o olhar do chão, avistou-o, uma figura solitária que se enquadrava perfetiamente na paisagem. Estava de costas para ela, olhava o rio não se apercebendo da sua presença. Afinal soubera sempre onde o encontrar, e o que deveria fazer! Chamou-o docemente. Aproximou-se devagar, lendo a incredulibilidade nos olhos dele, a esperança, o medo, o amor que não procurava disfaçar. E finalmente, chegando perto dele, sem mais palavras, beijou-o... sentindo nos lábios dele a certeza: era com ele que queria estar.