Mais uma viagem chata... por duas razões óbvias: tinha perdido estupidamente o autocarro (e agora tinha que ir de metro, que era muito mais demorado) e não se lembrara, ao sair de casa, de trazer um livro para se distrair.
Enquanto pensava nisso, um rapaz sentou-se à sua frente. Sem muito interesse olhou para ele. Era um turista (bastava ver o mapa de Lisboa que trazia na mão para o confirmar!), magro e com o cabelo todo despenteado, de calças bastante gastas e ténis sujos de percorrer a cidade, transportando uma mochila bastante usada. Mas os olhos... os olhos eram de tirar o fôlego! Azuis como o céu, lindos, brilhando numa cara que, tal como os olhos, era difícil esquecer. Até a barba de dois dias lhe ficava bem!
Consciente que já estava a olhar há demasiado tempo, sentou-se mais direita no banco e concentrou-se em olhar para a estação que passava do lado de fora da janela. De que interessa conhecer uma pessoa se depois não a via nunca mais? O facto era que gostara do que vira, mas era só isso. Só podia ser isso e nada mais.
Mas quando o metro entrou no túnel, deu por si a olhar para o reflexo dele, era impossível escapar... e ele estava também a olhar para ela. Sentiu um nervosismo na barriga como não sentia já há muito tempo. Finalmente, aceitou as regras do jogo e este começou: a troca de olhares, o fingir que o outro não está a perceber o que se passa, o gosto de olhar para a outra pessoa porque nos sentimos realmente atraídos por ela. Este jogo desenrolava-se sob os olhares indiferentes daqueles que seguiam com eles no metro, àquela hora da tarde.
É uma sensação deliciosa a que este jogo deixa, é como se as almas comunicassem através dos olhares, e assim tomam o seu alimento que é a pura beleza. É algo puro, sublime, que não necessita de gestos ou palavras. E neste enlevo, nem um nem outro dá pelo tempo passar (sem contar com o desejo latente que o outro não saia na próxima paragem). Olha-se de viés para confirmar que cada um quer que a viagem dure para sempre.
Mas o tempo passou e o metro avançou até que finalmente ela chegou à estação onde devia sair. E chegando ao fim desta viagem, ganhou coragem e quando se levantou parou à frente dele. Tocando suavemente com as duas mãos no rosto dele, fê-lo olhar para ela, intensamente e um pouco confuso
então e as regras do jogo?
E nesse instante, ela baixou a cabeça e deu-lhe um beijo nos lábios. Tão puro como o sentimento que o unia agora a ele. E num doce sussurro, que só ele conseguiu ouvir, disse-lhe: "És belo e eu amo-te."
Dito isto, voltou-lhe as costas e saiu, saboreando ainda o sabor dos lábios dele e sabendo que nunca mais o veria na sua vida.