26.01.06
A revolta
Sem Asas
Numa sala decadente, paredes de uma cor indefinida, lixo pelos cantos, sofás com as molas de fora, numa televisão com o som desligado está dar um jogo de futebol. Um ventoínha decrépita gira as pás sem conseguir aliviar o calor abrasador que se sente. Um homem de meia idade, com uma camisa interior que tenta sem sucesso tapar a barriga volumosa e calças de fato-treino, bebe uma cerveja já morna - há 5 latas, vazias, espalhadas pelo chão à volta do sofá onde ele está.
Um miúdo, aparentando 10 anos, entra na sala vindo da escola, e entrega ao pai a caderneta das notas. Depois de dar um sonoro arroto, o pai pega na caderneta e dá uma vista de olhos:
- F*da-se puto, como é que é suposto eu ter orgulho em ti se só tens notas de m*rda?
o miúdo baixa os olhos e morde o lábio; encorajado pelo "sinal de fraqueza" o pai continua:
- Porra, se ainda fosses bom em algum desporto... m*rda, ou mesmo a p*ta da música que parece que dá dinheiro... A única coisa que fazes é ficar pelos cantos, a olhar para ontem... ou ler, só sabes ler, gastas o dinheiro todo nessa m*rda!
Lágrimas descem silenciosas pelo rosto do miúdo, enquanto morde o lábio com tanta força que faz sangue.
- Pois, chora... como é que eu posso ter orgulho no meu único filho, se ele é um m*rdas? Que f*da de vida, p*ta de m*rda de vida...
Com uma voz surpreendentemente firme o filho finalmente diz alguma coisa:
- Nunca te vais sentir orgulhoso de mim enquanto a tua vida continuar a ser uma porcaria. Nunca vais ter orgulho em nada enquanto não tiveres orgulho em ti mesmo...